domingo, 17 de julho de 2011

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Ele vai no escuro da calçada. Alguns olhos talvez adivinhem o recorte da sua figura pouco lúcida. Os passos duros e curtos parecem trazê-lo do início do mundo. É como se caminhasse desde antes que existisse chão, desde antes que existisse ser que pisasse qualquer chão. Quisera cobrir os anos que lhe restam nestas passadas, gastá-los como se gastam o fôlego e a sola dos sapatos. Palmilhando. Que suas próprias pernas lhe entreguem a morte; depois, levem-no para além. Andar para sempre? Andar para nunca. Seu destino é o não. Ele vai. E enquanto vai, sua vista mastiga o meio da rua. O asfalto é amplo, profundo, negro. Como um rio. A calçada é estreita; margem rasa. Sentindo-se asfixiado, ele começa a tornar lentamente: o leito da rua o chama. Já está no meio-fio. Os automóveis ventam. Ele fecha os olhos e abre os braços, como se fosse precipitar-se na correnteza que o arrastará para o esquecimento. O vento aumenta.

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